Na mudança de calendário é natural que nos interroguemos sobre o que fizemos no ano findo e que façamos planos para o novo ano. Apesar da falta de memória coletiva e de uma sobrevalorização da espuma dos dias é verdade que várias das certezas, em que nos baseámos durante largas décadas, estão hoje sob interrogação. Os tempos que se avizinham são de enorme incerteza e na cena internacional é mesmo difícil apontar pontos de solidez.
O regresso ao poder do Presidente Trump, que alguns consideravam afastado definitivamente, marca a ascensão à Casa Branca de alguém julgado criminoso por sentença transitada em julgado, e equivale em puros valores éticos, ao ’fim da decência’, expressão que ouso copiar de um antigo embaixador da UE em Washington. Não me refiro aqui às opções políticas, muitas delas tão defensáveis como outras quaisquer, mas aos valores éticos e morais que acima de tudo nos têm de guiar e cuja ausência abre depois caminho para todos os aventureirismos. Esperemos que o seu espírito de negócio permanente lhe faça perceber que os EUA têm mais a perder do que a ganhar com um divórcio em relação à Europa.
Esta, por sua vez, nomeadamente a UE, mas não só (o Reino Unido já não faz parte do grupo e enfrenta igualmente problemas dilemáticos), tem de colocar ordem dentro de si própria, escutar muito mais as suas opiniões públicas, e definir em conjunto aquilo que seja aceitável para todos. O que implica concessões mútuas, ter a coragem de se assumir como ator de corpo inteiro na cena internacional e, para isso, dotar-se dos recursos financeiros indispensáveis e procurar estreitar relações com os países que cultural e economicamente lhe possam estar mais próximos.
Nesta conjuntura, em que quase só há pontos de interrogação, existem também fatores de esperança. Será que as ameaças de um impensável divórcio entre EUA e Europa vão finalmente fazer soar os alarmes e levar a UE a tomar as medidas que sabe necessárias, mas ainda não teve a coragem de adotar? Vamos levar à prática a afirmação de que a agricultura é um sector estratégico e que sem uma agricultura pujante não há autonomia estratégica para a Europa? Vamos finalmente ter uma política industrial que defenda sem pejo a permanência destes sectores em solo europeu? Vamos investir seriamente em investigação e defesa? Vamos aprofundar a união no domínio dos serviços, bancários por exemplo?
A nova Comissão Europeia é ela própria um sinal de esperança, tal como o novo Comissário para a agricultura, Christophe Hansen, e o Diálogo Estratégico sobre Agricultura, finalmente lançado pela Presidente Von den Leyden. É aliás neste contexto que faz sentido discutir o Acordo UE/Mercosul.
A nova Comissão ousou rubricar o Acordo apesar de conhecer bem as fortíssimas reservas da França, o que é em si mesmo um sinal positivo e de determinação. Mas o Acordo, com vantagens e desvantagens, tem antes de mais que ser visto no contexto da vida internacional real e não desligado do mundo que nos rodeia.
É hoje evidente, até pela dinâmica da demografia, que a UE – o maior exportador mundial de bens alimentares e que graças aos acordos de comércio livre multiplicou por 7 o seu excedente agroalimentar nos últimos 15 anos - não pode viver fechada em si própria, antes tem de se impor a nível internacional, procurando cada vez mais atrair capitais e exportar bens e serviços. Para tal precisa de cultivar relações com blocos de países relevantes e o Mercosul é um deles, com os seus mais de 290 milhões de habitantes. Os europeus que ali tinham um mercado tradicional têm vindo a perder quota de mercado, em favor da China, ao contrário do que acontece em mercados de países latino-americanos com os quais já têm acordos de livre-comércio, como o México e o Chile onde conservam e até reforçam a sua importância.
O Acordo com o Mercosul em termos agrícolas abre excelentes oportunidades para os vinhos, o azeite e produtos lácteos europeus (eliminação de taxas elevadas) e reforça a proteção sobre as tão importantes Denominações de Origem. Ao mesmo tempo abre aos sul-americanos quotas limitadas para a importação livre de direitos, especialmente de carne bovina (até 1,5% do consumo da UE).
Muito importantes são dois elementos: todas as importações deverão respeitar as normas sanitárias e fitossanitárias da UE e, não menos importante, a cláusula de suspensão do Acordo em caso de previsão de perturbação do mercado de carne bovina da UE. O que temos de exigir firmemente aos nossos governos é a aplicação determinada destes dois pontos e lembro que quanto ao primeiro a responsabilidade pelos controles incumbe aos governos nacionais! Por outro lado, é evidente que importa acompanhar de forma muito cuidadosa a evolução da nossa pecuária extensiva e preparar desde já a nível do PEPAC, como a CAP tem repetidamente insistido, medidas pensadas para o apoio e a evolução do sector.
Não posso terminar sem referir as expectativas que todos temos para a atuação do Governo em 2025 em dois pontos fundamentais. Em primeiro lugar, se o Governo quer efetivamente encarar a agricultura e as florestas como sector estratégico para o país - algo que há dezenas de anos que não ouvíamos - então terá de dotar de meios humanos e materiais adequados os serviços agrícolas agora integrados nas CCDR sob a recuperada autoridade do Ministro da Agricultura. Foi esta uma batalha difícil da qual nunca abdicámos, mas o sucesso da solução encontrada, que tem um enorme potencial quer para a agricultura e florestas quer para o conjunto da coesão territorial, depende dos meios que lhe sejam alocados.
Em segundo lugar, o projeto «Água que nos une», também ele a prometer o aproveitamento das reais potencialidades agrícolas, florestais e de desenvolvimento humano sustentável do país, terá de romper com tabus e preconceitos e ter uma ambição de crescimento para o país no seu conjunto, que contribua para fixar populações, promover a coesão territorial e garantir a nossa capacidade de competir, de aumentar as nossas exportações e de diminuir o défice da balança alimentar. Está nas mãos do Governo demonstrar que ambição tem para o País!
Desejo a todos os portugueses e, em especial, a todos os agricultores e produtores florestais e respetivas famílias um feliz 2025.
ÁLVARO MENDONÇA E MOURA
Presidente da CAP